Roteiro da HQ sobre o ano inaugural de T’Challa no trono de Wakanda traz roteiro da dupla Ta-Nehisi Coates e Evan Narcisse
Quando a Marvel anunciou que não apenas o Pantera Negra estaria voltando a ter uma série mensal regular, mas que ela seria escrita por ninguém menos do que Ta-Nehisi Coates, as expectativas foram parar lá em cima. Dane-se que o jornalista da revista The Atlantic nunca tivesse escrito uma única HQ na vida. Ele tinha a abordagem perfeita para posicionar o rei de Wakanda nos dias de hoje de um jeito que era absolutamente necessário – questionando, inclusive, a até então inflexível estrutura de monarquia que comandava a nação africana fictícia com mão de ferro.
Afinal, todos os wakandanos eram assim tão confiantes na lendária linhagem dos Panteras Negras? Ainda bem que a resposta que Coates nos trouxe foi “não”.
Coates nos trouxe, aliás, não apenas um dos melhores momentos do herói nos quadrinhos contemporâneos, mas também uma das melhores HQs atuais da Marvel. É foda demais, tanto pelo roteiro quanto pela arte fluida, ágil, limpa e cheia de estilo de Brian Stelfreeze. E tá começando a sair no Brasil agora, inclusive, acho que vocês deviam ler tanto quanto acho que deveriam estar lendo mensalmente a Thor do Jason Aaron. Ponto.
Eis que agora a Casa das Ideias dá um outro passo importantíssimo aqui, com o anúncio de uma nova série do personagem, chamada Rise of the Black Panther. O número 1 sai justamente em Janeiro de 2018, um mês antes da estreia do filme estrelado por ele nos cinemas, o que obviamente não é um movimento aleatório. Porém, faz todo o sentido do mundo: tamos falando de uma espécie de Ano Um de T’Challa não só como Pantera Negra mas também como ocupante do trono de Wakanda.
“Olha, não coloquem o departamento jurídico da DC na minha cola, mas... sim, dá pra chamar assim”, brinca o corroteirista Evan Narcisse, que está escrevendo a história ao lado do próprio Ta-Nehisi Coates, em uma entrevista para o io9. As capas pintadas são de Stelfreeze, com arte interna do francês Paul Renaud. Maaaaaaas, ironia suprema, não apenas Narcisse também é um iniciante nesta coisa de escrever gibis, como ele é crítico e redator especializado em quadrinhos... no io9.
Narcisse conta que o convite veio do próprio Coates, que ele mesmo entrevistou sobre seu trabalho à frente do Pantera Negra. O jornalista/roteirista se impressionou com a profundidade dos questionamentos do colega e, quando o editor Wil Moss pediu a ele que entrasse em contato com Narcisse pra saber se ele toparia trabalhar num novo projeto sobre o Pantera, o sujeito nem sequer pensou duas vezes.
“Tamos falando essencialmente da história do primeiro ano de T’Challa como rei, que é quando ele decide acabar com séculos de um segredo muito bem guardado e permite que o mundo saiba que Wakanda está mesmo no mapa”, explica Narcisse. “É uma escolha que deixa um monte de gente em Wakanda puta da vida e atrai obviamente a atenção da comunidade global sobre eles”. Um dos principais motivos? Um enorme monte de um metal precioso chamado vibranium. A ideia aqui é mostrar também um pouco de como a cobiçada tecnologia do país se desenvolveu ao longo das décadas — e que já era surpreendente em 1966, quando o personagem surgiu nas páginas de Fantastic Four #52, derrotando sozinho o Quarteto ao usar suas habilidades e também uma série de impressionantes apetrechos que deixaram Reed Richards bem interessado... “Isso pode significar ou não que teremos robôs gigantes em formato de pantera na história”, brinca (ou não).
Os dois roteiristas estão trabalhando bem conectados, para que a história da prequência reflita bem o que está rolando com T’Challa nos dias de hoje. “É engraçado que temos um pouco de ironia temática aqui, porque o primeiro arco de histórias de Ta-Nehisi era sobre um momento de mudança no qual o Pantera representava o status quo. Em Rise of the Black Panther, é ele que está se rebelando contra o sempre foi feito até ali”.
Herdeiro de uma dinastia centenária de guerreiros e líderes espirituais/rituais do Clã Pantera, T’Challa perdeu a mãe no parto, fazendo com que ele ganhasse o ódio eterno de seu irmão adotivo mais velho, Hunter, que também ficou putaço quando o caçula tornou-se o favorito da casa real. A ele coube o manto do Lobo Branco, líder dos Hatut Zeraze, a polícia secreta de Wakanda. O pai dos dois, T’Chaka, se casaria novamente, mas sua esposa Ramona aparentemente fugiu com outro homem quando T’Challa tinha apenas oito anos. Na adolescência, a desgraça se abate sobre sua vida quando T’Chaka é morto pelo mercenário Ulysses Klaw (antes de se tornar o Garra Sônica), em busca do vibranium. Quando o jovem T’Challa o derrotou usando sua própria arma sônica, provou definitivamente seu valor.
Depois de estudar durante anos na Europa e na América, ele retornou pra Wakanda, passando por uma série de testes — inclusive derrotar em combate o próprio tio S’yan, que era o Pantera Negra na ocasião — até que pudesse ganhar a lendária erva em formato de coração, que ampliou suas habilidades e o ligou espiritualmente ao deus pantera Bast. Assim que assumiu o trono, acabou com os Hatut Zeraze — considerados um retrato truculento de uma velha Wakanda — e passou a investir fortemente em tornar Wakanda em um paraíso de alta tecnologia. Quando explodiu uma guerra entre as principais tribos do país, derrotou o líder dos Jabari, M’Baku (o Homem-Gorila), e restaurou a paz reunindo as chamadas Dora Milaje, guerreiras de tribos rivais especialmente selecionadas para se tornaram a guarda pessoal de elite do Pantera.
Ah, sim, importante. Vamos tirar um obstáculo do caminho aqui e dizer abertamente que, SIM, assim como Ta-Nehisi Coates, Evan Narcisse também é negro. E justamente por isso, o Pantera sempre foi o seu herói favorito, porque ele se identificava na força e na nobreza daquele “Capitão América africano”, que não apenas era um guerreiro e ginasta FORMIDÁVEL, mas também um diplomata e um cientista brilhante. Só que, obviamente, temos um porém aqui. Durante uns bons anos, um bando de homens brancos escreveram o Pantera Negra. Incluindo aí a passagem inicial da dupla Stan Lee/Jack Kirby. Ou seja...
“Uma das questões que fãs, críticos e criadores negros – ou de quaisquer grupos marginalizados – encaram é este dilema sobre o que fazer com o que herdamos”, explica ele. “Os personagens com execuções bagunçadas, contraditórias, com momentos de embaraço dos quais a gente se lembra muito bem. Como fazer isso caminhar em direção ao futuro de uma forma que seja agradável, que possa sobreviver e prosperar? É uma questão com a qual eu lido na minha carreira e que o T’Challa enfrenta, de um jeito diferente”.
Entendeu? Vamos lá. Eu vou escrever só a palavra “representatividade” e você completa o resto da frase. Não é difícil. Né?