Andrew Garfield reclama publicamente sobre cortes no filme, que o deixaram aquém do que era no roteiro original – e, portanto, a culpa do que se viu na tela é de quem fez isso
Tudo começou, na verdade, com um papo a respeito do drama independente 99 Homes. O ator Andrew Garfield, conversando com o The Daily Beast, falava sobre seu personagem, um pai desempregado que se vê obrigado a trabalhar justamente para o sujeito sem escrúpulos responsável por fazer sua família perder a casa na qual moravam. O papel também é, a seu modo, uma espécie de herói – ainda que diferente do garotão de máscara e roupa colada que ele vive nos dois O Espetacular Homem-Aranha.
“Mas o Homem-Aranha também é um projeto do coração”, disse, em resposta a um questionamento a respeito do balanço que tinha que fazer em sua carreira para equilibrar papéis mainstream e papéis menores, “do coração”, em produções indie. “Eu também sou completamente apaixonado pelo Homem-Aranha. Eu não consigo nem sequer ir trabalhar se não for um projeto do coração”. Esta resposta, portanto, ajuda a entender o que viria a seguir, quando o entrevistador o questionaria sobre todas as críticas que O Espetacular Homem-Aranha 2 sofreu – inclusive a de que se pareceria mais como uma preparação para o filme do Sexteto Sinistro do que com um filme focado na persona de Peter Parker. E eis que Garfield soltou:
“Eu li o roteiro que Alex Kurtzman e Bob Orci escreveram e eu genuinamente amei. Tinha toda esta estrutura. Quando você tem algo que funciona como um todo, e você começa a remover partes dele – tinha muito mais do que acabou entrando no corte final e tudo estava relacionado… Quando você começa a remover estas partes e dizer ‘não, isso não funciona’, então a corrente se quebra e é difícil seguir com o fluxo da história. Algumas pessoas do estúdio tinham problemas com certas partes do roteiro e é o estúdio que tem a palavra final nestes filmes porque eles são os donos da bola, então você tem que responder a estas pessoas”. Calma, ainda não acabou. “Eu trabalhei em cenas profundas, do tipo que não se vê em filmes inspirados em quadrinhos, e tive que explorar este garoto órfão – um monte disso foi tirado e poderíamos ter explorado mais. É interessante fazer esta análise póstuma. Estou muito orgulhoso disso, tive bons momentos e fiquei um pouco surpreso com o retorno [do público]”.
Logo depois, ele fala um tantinho sobre as reações que leu na internet (“tive que parar porque eu podia sentir que estava me afastando de como me sentia de verdade sobre isso”) e sobre como as críticas construtivas são diferentes de ser um idiota completo (“espero que possamos ir mais fundo na origem das críticas e entender o que faltou”).
O que interessa nesta história toda, no entanto, a expressão que pula da tela piscando em vermelho e com uma buzina de caminhão como trilha sonora é “remover estas partes”. Entenda isso como “cortes”. Resumidamente, Garfield acha que o filme poderia ter ficado bem melhor se o estúdio não tivesse cortado determinadas coisas.
Hum. Vamos pensar um pouco a respeito.
Chega a ser interessante ouvir que tínhamos um pouco mais de ambientação para o drama pessoal de Peter Parker – é o que dá pra gente entender quando ele fala em “cenas profundas”. Mas nós esperamos, de coração, que o Garfield não esteja no entanto se referindo a algo nem sequer próximo do tal “final alternativo” que se pode ver no Blu-ray, no qual seu pai reaparece (sim, ele sobreviveu à queda do avião e ficou sumido por todo este tempo), os dois se abraçam, têm um momento pai e filho e Richard Parker então profere a frase “com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”.
Andrew, seu lindo. Esta cena toda pode ter tido uma imensa intensidade emocional na história do “garoto órfão” mas, vamos combinar, agradeço de coração ao gênio que teve a presença de espírito de cortá-la. Só daria ainda mais importância à trama dos pais de Peter – que, tá bom, já deu, né? – e ainda levaria a frase que serve de mantra para o personagem para a boca de alguém que não faz lá muito sentido e tem pouca relevância em sua construção de caráter.
O que nós sentimos falta, porém, foi um pouco mais do relacionamento entre Peter e sua Tia May. A bronca que ela dá no jovem Cabeça-de-Teia poderia ser o ápice de algo que vinha se construindo de maneira mais visível na trama. Talvez a questão da falta de grana, dos perrengues, da atuação de May como enfermeira para ganhar um dinheiro extra sem o sobrinho saber, pudessem ter mais espaço... Seria uma forma de definir ainda melhor o lado humano do Aranha, dando para May um pouco mais da importância que ela deveria, de fato, ter. Tio Ben, afinal, é a bússola moral™ do Homem-Aranha.
O relacionamento de Peter e Harry Osborn também passa meio voando na história. A cena dos dois jogando pedras no rio, pô, muito legal, ambos se abrem, ambos revelam seus problemas de família. Mas para dar a noção de fortalecimento numa amizade que, em tese, é algo que teria durado toda uma adolescência, seria preciso um pouco mais, né?
Assistindo aos extras do Blu-ray de O Espetacular Homem-Aranha 2, não há nada que pudesse mudar os rumos da história, tirando o tal do final alternativo. Cada uma das cenas deletadas ou estendidas serviriam pra dar mais atenção ao relacionamento de Peter e Gwen ou mostrar outras coisas, tipo o legista que examinava o corpo do Electro na parede, a mãe do vilão tratando-o mal, enfim.
Só que os extras, claro, mostram apenas aquilo que é aprovado, não TUDO que tenha sido excluído... E não há sequer menção à Mary Jane. Nada. Em nenhum momento a participação de Shailene Woodley é comentada. Isso não significa, claro, que os tais cortes aos quais Garfield se refere sejam relacionados a ela, que já chegou a dizer que entende o que aconteceu. “Baseado na história proposta, entendo completamente a necessidade de esperar pra introduzir a Mary Jane só no próximo filme”.
A questão é que, aparentemente, não são só as cenas que ela JÁ TINHA gravado foram cortadas, como a própria atriz. Mas isso é outra história...
Quando Andrew Garfield fala nos “donos da bola”, estaria ele dos nomes fortes da Sony, tipo a co-chairman Amy Pascal, que assinou o comunicado oficial que oficializava a saída de Sam Raimi depois de Homem-Aranha 3?
O nome dela chegou a ser comentado pelo próprio Raimi como sendo, digamos, o “outro lado” do desacordo que levou à sua saída. E é comum que, apesar de todo o poder de diretores, roteiristas, produtores, atores e atrizes, o próprio estúdio tenha direito de veto em algumas produções deste tamanho. O dinheiro é deles, afinal, eles querem saber onde estão investindo e querem investir de maneira certeira. Basicamente, querem colocar dinheiro para ver voltar duas vezes mais dinheiro. Algumas vezes, claro, eles não acertam tanto quanto imaginariam e não volta nem metade...
A questão é que, em Hollywood, todo mundo aponta uma única pessoa como culpada: Avi Arad.
Ainda sobre Raimi, vale lembrar que foi a interferência direta dele que o fez desgostar tanto de Homem-Aranha 3, que teve a inclusão do Venom sem que ele quisesse. Em uma entrevista exclusiva e bastante sincera ao JUDÃO, Avi Arad disse que não considera o terceiro filme exatamente um erro, mas assume a culpa pelo Venom. “Sam Raimi queria fazer Eddie e talvez pular o Venom. Às vezes pode ser um erro, mas eu achei que se estamos contando a história do lado sombrio do Peter Parker e quando o simbionte o domina, ele tem de seguir o caminho todo, e não só pela perspectiva da história”, contou. “Acho que colocamos muita coisa no filme… foi uma boa lição para todos nós. O filme foi o mais bem sucedido da série, comercialmente. Mas os fãs… você sabe, é o que é. Alguns deles adoraram, outros odiaram… Se você olhar os fóruns, “eu adorei”, “eu odiei”, “não deviam ter colocado o Venom”, “eu queria mais Venom”… tudo bem, tem que haver um diálogo. Se você se coloca nessa posição, tem que arcar com as consequências. É difícil… eu achei que se cometemos alguns erros, eu acho que foi colocar muitas coisas ao mesmo tempo.”
Decepcionado, Raimi estava disposto a fazer um Homem-Aranha 4 incrível, fora do comum. “Seria o melhor Homem-Aranha de todos”, afirmou Raimi, recentemente, ao Vulture. “Mas não conseguimos chegar num acordo com relação ao roteiro dentro do prazo que eles precisavam”. Raimi queria fazer uma história que levasse o personagem de volta às raízes do primeiro filme. A Sony queria uma coisa grande, épica, estupenda – e com um tom que lembrasse o bem-sucedido Batman de Christopher Nolan. Não rolou. A Sony não tinha tempo a perder, porque, por conta do contrato com a Marvel, eles têm que lançar um filme do personagem a cada X período de tempo – da mesma forma que acontece no acordo com a Fox.
Raimi queria um Abutre interpretado por John Malkovich e já tinha Anne Hatthaway selecionada para ser a Gata Negra. Agora, só nos resta imaginar como teria sido.
O meu medo, honestamente, é que este tipo de questionamento, vindo à público desta forma, um tipo de descontentamento que começa pequeno e despretensioso, se torne a desnecessária repetição do modelo de Sam Raimi. E que comece então uma debandada geral – antes mesmo do terceiro filme, antes dos filmes relacionados (Sexteto Sinistro, Venom...), para “não causar tanto impacto”. Tem um quinhão de catastrofismo aqui? Claro que tem. Mas... e o Raimi? Como foi mesmo que começou?
É fato, porém, que há algo de muito estranho no meio de toda essa história. Quem leu as primeiras versões do roteiro de O Espetacular Homem-Aranha 2, não poderia desconcordar mais com Andrew Garfield. Mas, uma vez que a Sony mete mesmo a tesoura (ou a cola!) sem dó...
Pô, Garfield. Se resolve aí, meu. Porque, se for pra começar tudo do zero de novo, que seja na Marvel. Como a gente sabe que isso não vai acontecer tão cedo... :(