O grande disco de música pop do ano | JUDAO.com.br

Her Dead Petz é, além de tudo, um grito de independência de Miley Cyrus

Era uma vez aquela noite especial dos VMAs, sabe? Quando o armário das loucuras do mundo da música é aberto em toda a sua glória e esplendor. E era uma vez uma loirinha. Uma tal de Taylor Swift. Aquela que adora brigar com as plataformas de streaming, que adora mostrar o seu poder na indústria fonográfica. Que fez o show de abertura com a Nicki Minaj, que abraçou seu amigo e futuro presidente Kanye West. Que foi a grande campeã da noite, saiu com os principais troféus. E aproveitou o embalo para soltar, para a surpresa da galera, seu novo clipe, Wildest Dreams, lindão, maior pinta de superprodução, coisa e tal.

Mas o caso é que, neste VMA, este mesmo, que rolou no último domingo (30), tinha uma outra loirinha. Que por acaso era a apresentadora do evento. Uma tal de Miley Cyrus. Aquela que adora andar por aí com os peitos de fora. Que tretou com a Nicki Minaj. E que fez o show de encerramento da noite, ao lado de uma porrada de drag queens. Apresentando uma música nova e aproveitando o embalo para anunciar, para a surpresa da galera, seu novo álbum. É, de surpresa, anunciado assim, à queima-roupa. Inteirinho. De graça. Para streaming. Em um site próprio. Nada de Spotify, Deezer ou porra nenhuma. Não precisa se cadastrar, ter conta. É entrar lá e ouvir. Play.

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Miley Cyrus and Her Dead Petz é o quinto disco de estúdio da cantora, produzido pelo cantor dos Flaming Lips, Wayne Coyne – e está disponível não apenas em MileyCyrusAndHerDeadPetz.com como também no SoundCloud, ao final deste texto. O título do disco é direto e reto: antes de tudo, é um tributo a um monte de bichinhos que morreram. Pablow, seu peixe, Floyd, seu cachorro, e até Twinkle, o gatinho de uma amiga. Mas não se engane, porque Her Dead Petz está longe de ser um disco de temática inocente e fofinha. “Sim, eu fumo maconha. Eu amo paz. Mas eu não sou hippie”, diz a garota, cheia de personalidade, em Dooo It!, a piração que abre os trabalhos.

Miley Cyrus e as Drags durante a apresentação de Dooo it, no VMA 2015

Miley Cyrus e as Drags durante a apresentação de Dooo it, no VMA 2015

A regra número 1 pra curtir este disco é esquecer a Miley de Bangerz (2013), o trabalho anterior. Se a sua referência era o pop teen da época da Hannah Montana, nossa, então é melhor apurar beeeeeeem os ouvidos. Aqui, o lance é um pop BEM experimental, ao longo do qual fica claríssima a influência do amigo dos Flaming Lips. É etéreo, quase espacial, repleto de barulhinhos eletrônicos, de vozes fantasmagóricas com efeitos, de pequenas viradas inesperadas. Uma imensa colcha de retalhos cheia de glitter. É pop, mas também é indie pra diabo.

É pop, mas também é indie pra cacete

Lembra de quando ela tocou aquela versão viajandona de Lucy in the Sky With Diamonds na edição 2014 dos Billboard Music Awards junto com os Flaming Lips (ah, vá) e com o Moby? Pois é. Esta é a Miley deste álbum. E não a Miley de Wrecking Ball.

“É este tipo de coisa que posso me dar ao luxo de fazer”, afirmou ela, em entrevista ao The New York Times. Quando diz “este tipo de coisa”, ela quer dizer “um álbum gravado em segredo, sem que nem a sua própria gravadora soubesse direito o que estava acontecendo, tudo mostrando uma versão bem menos comercial de si mesma”. É, definitivamente, um grito de independência de Miley. “Eu posso fazer o que eu quero fazer e a música que eu bem entender”, diz, certíssima de si.

Miley tá ainda mais solta do que nunca aqui. Fala palavrão, fala de putaria, fala de ficar doidona. Mas o nível de refinamento das faixas chega a dar gosto. Pra quem gosta de boa música, de verdade, é um prato cheio. A balada Karen Don’t Be Sad, por exemplo, talvez seja uma das canções mais lindas do ano, com Miley se entregando na interpretação de maneira emocionante – e, o melhor de tudo, não é nem de longe uma balada que se esperaria, sei lá, da Demi Lovato.

Bang Me Box, um dos poucos momentos com cara de pista de dança, tem um gosto de anos 1970, daquele jeitinho que poderia tranquilamente ir parar na trilha de um filme do Tarantino – e, caralho, isso é um elogio e tanto, creiam. E a dupla Cyrus Skies e Tiger Dreams? Enquanto a primeira consegue ser, ao mesmo tempo, triste, soturna, sombria... e sensual, a segunda tem toda a pinta de uma canção natalina das trevas, do tipo que tocaria na terra do Halloween em O Estranho Mundo de Jack.

Tangerine, que traz a participação do rapper Big Sean, é hip-hop, claro. Mas não daquele tipo que infesta as rádios americanas com a mesma batida de sempre, sim do tipo que soa como se tivesse concebido, sei lá, por um MC alienígena. É rap vindo diretamente do Império Shi’ar.

“Eu posso fazer o que eu quiser e a música que eu bem entender”

Miley Cyrus and her Dead Petz

É sim um disco colorido, iluminado, divertido, mas também bastante chapado, non-sense, psicodélico, pra ouvir numa vibe diferente daquela em que se ouviria, por exemplo, o disco mais recente da diva mor Madonna. É bem mais David Bowie do que Madonna, aliás (as tochas estão sendo acessas e eu ouvi alguém começando a gritar...”herege”?).

O grande disco de música pop de 2015

Her Dead Petz é performático, esquisito, pagando um tributo anos 2000 ao Ziggy Stardust lá de 1972. “Eu crio a minha própria ambientação, meu mundo. O que parece fantasia ou uma viagem, não é pra mim. É a minha realidade”, reafirma Miley. Quando ela solta, na letra da safadinha Slab of Butter (Scorpion), que “autocontrole não é uma coisa na qual estou trabalhando”, você tem plena certeza de tudo que está rolando aqui. Ou quase.

Uma palavra para definir este disco? Abençoadamente maluco. São duas palavras. Mas foda-se. Esta é a Miley Cyrus mais distante da Disney que se poderia ouvir até o momento. E isso é uma notícia e tanto.

Vocês vão ouvir uma frase brutalmente sincera diretamente da boca de um headbanger: este é o grande disco de música pop do ano.