Em entrevista ao JUDÃO, Rafael Albuquerque fala sobre seu método de trabalho com o autor escocês, sobre sua relação com o projeto Netflix e sobre aquele novo gibi mensal da Hit-Girl
Com a sequência de Kingsman nos cinemas, tornou-se inevitável voltar a falar de Mark Millar, que torna inevitável voltar a falar de seu acordo com o Netflix, que comprou o Millarworld e, de quebra, meteu as caras neste mundo mágico (?) chamado “mercado de quadrinhos”.
A gente costuma esquecer, no entanto, que temos um correspondente brasileiro para toda a sorte de assuntos Mark Millar. Alguém que trabalha dando forma à inquieta mente do roteirista escocês. Alguém que esteve, de alguma forma, na linha de frente da negociação da empresa de Los Gatos para colocar os personagens de Millar e cia. junto com a viola no saco e partir para produzir mais e mais conteúdo. Um alguém que atende pelo nome de Rafael Albuquerque.
Aos 37 anos, o gaúcho começou a ganhar visibilidade no mercado americano a partir de 2007, na revista do Besouro Azul, da DC Comics. Desenhou Batman/Superman, Robin, Wolverine, Uncanny X-Men. Mas se solidificou de fato como artista ao dar vida com seu traço ao título Vampiro Americano, obra escrita por Scott Snyder e também por um certo Stephen King, vencedora do Eisner e do Harvey como “melhor série nova”. Daí pra Huck foi um pulo.
“Ele me adicionou no Twitter, e mandou uma mensagem privada. Começamos a conversar e ele disse que tinha um projeto que conseguia ver somente no meu estilo”, explica Rafael, em entrevista ao JUDÃO. “Então ele me mandou o roteiro de Huck. Foi realmente incrível, porque todas as referências que ele me passou na época eram figuras que eu curtia, como Norman Rockwell [pintor e ilustrador americano], por exemplo. Então foi bem fácil de trabalhar, quase uma simbiose. Quando li o roteiro sabia exatamente o que devia fazer. Acabou dando certo”.
Publicada originalmente pela Image Comics, o gibi conta a história de um sujeito que mora em uma pequena e pacata cidadezinha litorânea na qual usa seus poderes para fazer uma boa ação todos os dias – e, em troca, seus vizinhos concordam em manter seu segredo a salvo, já que o cara acha que é sua obrigação e não pretende ter reconhecimento sobre isso. Mas, claro, alguma bosta vai acontecer no meio do caminho e ele vai ter que encarar uma aventura que mudará a sua vida.
Segundo o Rafa, Mark Millar manda roteiros completos e complexos. Mas nada no melhor estilo Marvel Way, aquele que a gente vem usando como referência há décadas. “Ele manda a história detalhada, mas na medida, com espaço para o artista fazer o que achar melhor. Francamente, um dos melhores roteiristas com quem já trabalhei”. O brasileiro explica ainda que Millar parece, de fato, mostrar que tem a total noção de que, ali, não está APENAS fazendo quadrinhos. “Dá pra sentir que ele está tentando fazer o melhor que pode na mídia em que ele está trabalhando. Ele realmente entende a linguagem das HQs e faz o melhor uso disso, sem necessariamente tentar ‘mastigar’ isso para um futuro diretor ou produtora”.
Por falar em produtora, ele conta que não sabe dizer muito sobre a parceria do Millarworld com o Netflix, mas revela um detalhe interessante: cada título foi negociado em separado. Mark e ele detinham, cada um, 50% da propriedade. E a decisão de venda foi feita de comum acordo. “Tudo que sei é que Huck teve seus direitos vendidos integralmente para o Netflix e que não temos mais gerência sobre a obra. Tudo pertence a eles agora. Se isso vai se transformar em algo mais (e se eu vou participar) depende apenas deles. Eu certamente adoraria voltar a trabalhar com esses personagens de novo”.
Albuquerque revela ainda que, sim, aquele papo de que, antes do Netflix levar tudo embora, ele e Millar tavam negociando pra Huck ir pros cinemas era verdade. “Vendemos os direitos para uma produtora chamada Studio 8”, conta, fazendo referência à nova empresa de Jeff Robinov, que chegou a ser presidente do Warner Bros. Pictures Group. “Eles estavam realmente sondando o Channing Tatum para o papel e o Sam Raimi para a direção. Mas sabem como é. Hollywood é uma coisa louca. Até um projeto acontecer de verdade, astros têm que alinhar. Eu só acredito vendo”, brinca. “O Netflix adquiriu os direitos sabendo dessa cessão, e agora os advogados de ambas as produtoras devem estar chegando a um acordo. Eu nem sei direito o que acontece mais, até por que não é mais meu”.
Justamente por isso, Rafael tenta colocar a cabeça no lugar e esperar que as coisas aconteçam ao invés de criar grande expectativa sobre elas. Um dia de cada vez. “É uma série que adorei fazer parte, mas como não apito mais nada ali, prefiro não me envolver emocionalmente. Espero apenas que se forem fazer algo baseado nessa série, seja legal e fiel ao quadrinho”.
Se o tal acordo e as adaptações ADVINDAS dele vão ajudar a dar um pouco mais de visibilidade internacional pro seu trabalho, Rafael não arrisca (“Quero ser reconhecido pelo meu trabalho, que amo e sigo fazendo do melhor jeito possivel”). A única questão aí é reforçar que ele quer continuar trabalhando com Millar enquanto for possível, mesmo que em outros títulos.
Aliás, quando o autor anunciou um novo volume das aventuras de Kick-Ass, estrelado por uma garota negra, também aproveitou o embalo pra contar que passaríamos a ter uma nova série mensal, agora da Hit-Girl. E os desenhos, à época, seriam do Rafael. Isso foi na metade do ano passado. Só que aí... “Eu iria ser o artista regular de uma série nova da Hit-Girl. Com o acordo do Netflix, alguns planos mudaram, e minha participação na série dela vai ser diferente, mas ainda assim, incrível. Estou muito orgulhoso e agradecido pela oportunidade”. E completa: “Pode ter certeza que é ainda mais legal do que o plano original”.
Ora, ora. Então aguardamos. ;)